Todos os dias milhões de metros cúbicos de água provenientes do uso e práticas humanas chegam aos cursos fluviais nacionais. Água, em grande parte, não tratada ou contaminada pelas práticas humanas, que estão não só a afetar o ecossistema, mas também a mudar o clima.
Um estudo internacional que contou com a participação de investigadores da Universidade do Minho (UMinho) esteve a avaliar 50 rios do Norte de Portugal e concluiu que as atividades humanas, nos cursos fluviais, contribuem para aumentar a concentração de gases com efeito de estufa nas suas águas, intensificando a crise climática.
Cinco oceanos, sete mares e um quase infindável número de rios e cursos de água. É um planeta azul, em que a componente água é fonte de vida, mas também uma fonte económica e de recursos.
Com a evolução e o crescimento demográfico, este recurso fundamental foi sendo descurado, tendo as práticas humanas criado sérios problemas nestes ecossistemas.
Apesar da consciência colectiva e política, tal como a introdução de sistemas que visam “solucionar” e minimizar o impacto deste bem essencial, o certo é que ainda persiste um conjunto de problemas e um “mandar para trás das costas” relativamente a este recurso natural.
Prova disso mesmo é apresentada num estudo internacional liderado por Cláudia Pascoal, diretora do Centro de Biologia Molecular e Ambiental, da Escola de Ciências da Universidade do Minho, já publicado na revista Global Change Biology, que revela que o efeito das atividades humanas nos rios está a contribuir para aumentar a concentração de gases com efeito de estufa nas águas, potencialmente intensificando a crise climática.
Os investigadores analisaram amostras de gases com efeito de estufa e mediram o metabolismo dos ecossistemas em 50 rios do Norte de Portugal ao longo de um gradiente de impactos humanos, verificando-se um aumento de nitratos e da temperatura e uma redução de oxigénio na água.
Continuamos a poluir quando deveríamos estar a restaurar ecossistemas
Cláudia Pascoal, investigadora e diretora do Instituto de Ciência e Inovação para a Bio-Sustentabilidade (IB-S) da UMinho, é peremptória na conclusão: “Quanto mais poluídos, quanto mais contaminados, quanto mais degradados e quanto maior o número de stressores de agentes de stress [nos cursos fluviais], maior é a concentração de gases com efeito estufa, nomeadamente dióxido de carbono e metano.”
A investigadora refere que a sociedade até está consciente dos problemas que as atividades humanas, de diferente tipo, provocam nos ecossistemas, desde a agricultura à utilização urbana, mas há que alertar que apesar de existirem sistemas de tratamento de águas residuais [as ETAR] há problemas a jusante não contabilizados ou ignorados.
Fatores que estão a contribuir para uma alteração do ecossistema em torno destes fluxos, a aumentar o stress hídrico e consequentemente a produção de gases de efeito de estufa.
“A degradação da vegetação ribeirinha, que é um excelente filtro de toda a poluição e todos os usos, pesticidas e todos os usos, os nutrientes inorgânicos e fertilizantes e poluentes e contaminantes que nós colocamos no exterior e que se nós tivermos vegetação ripada a vegetação ribeirinha acaba por funcionar ali como um filtro. Se ela desaparecer, esse filtro também desaparece”, explica Cláudia Pascoal.
O que fazem os gases com efeito de estufa?
Os gases de efeito estufa funcionam de maneira semelhante ao vidro numa estufa: absorvem o calor solar refletido pela superfície da Terra, retendo-o na atmosfera e impedindo sua dissipação para o espaço.
Este fenómeno, conhecido como efeito estufa, eleva a temperatura da superfície terrestre, criando condições adequadas para a existência de vida no planeta.
Embora muitos gases de efeito estufa estejam naturalmente presentes na atmosfera, as atividades humanas têm intensificado a sua concentração. Isso amplifica o efeito estufa, provocando alterações no clima global.
Entre as consequências estão mudanças nos padrões de neve e chuva, aumento das temperaturas médias e a ocorrência de eventos climáticos extremos, como ondas de calor e inundações.
Entre os gases que tanto surgem naturalmente na atmosfera como são gerados por atividades humanas encontram-se o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O).
Estamos a produzir mais metano e dióxido de carbono
Cayetano Gutiérrez, da Universidade Rey Juan Carlos (Espanha) e coautor do estudo, destacou que se percebeu pela primeira vez que a “soma de vários impactos antropogénicos” aumenta a concentração de gases com efeito de estufa, nomeadamente dióxido de carbono e metano, que podem ser emitidos para a atmosfera”.
O Dióxido de carbono (CO2) é produzido
naturalmente pelos animais durante a respiração e através da
decomposição da biomassa. Também entra na atmosfera através da combustão
de combustíveis fósseis e reações químicas. É removido da atmosfera
pelas plantas no processo conhecido como fotossíntese. O CO2 absorvido é
mantido fora da atmosfera até que as plantas morram e essa é a razão
pela qual as florestas têm um papel importante na captura de carbono.
Segundo este investigador, “muitos rios estão expostos a múltiplos impactos, aumentando assim o risco de agravamento da crise climática se não forem tomadas medidas para melhorar a saúde desses ecossistemas”.
Os resultados da pesquisa indicaram ainda que a escala espacial dos impactos humanos afeta de forma diferente as concentrações de dióxido de carbono e de metano nos rios.
Existe também a questão do dióxido de carbono ser mais solúvel e poder percorrer longas distâncias e criar impactos à escala da bacia hidrográfica, devido às atividades agrícolas ou ao escoamento urbano.
O metano (CH4) é um gás incolor e o principal
constituinte do gás natural. As suas emissões resultam da produção e
transporte de carvão, gás natural e petróleo, bem como da pecuária e
outras práticas agrícolas. Também é libertado pelo uso da terra e
decomposição de resíduos orgânicos em aterros de resíduos sólidos
urbanos. Em 2021, a maioria das emissões de metano foi originada pela
agricultura, silvicultura e pesca.
Já o metano, menos solúvel, escapa rapidamente para a atmosfera, respondendo aos impactos locais e aos da bacia hidrográfica.
Para a investigadora da UMinho, se não agirmos o mais rapidamente possível estaremos a caminhar para um cenário preocupante.
Cláudia Pascoal refere que estaremos não apenas a destruir a biodiversidade e a comprometer o funcionamento dos ecossistemas, mas também a perder os serviços essenciais que a natureza nos oferece, de forma gratuita, desde que permaneçam saudáveis e equilibrados.
“Os nossos resultados reforçam a necessidade de uma gestão integrada à escala da bacia hidrográfica, não só para preservar a biodiversidade e os benefícios que os rios providenciam à sociedade, mas também para evitar o agravamento da crise climática".
Além disso, com o continuar destas práticas, contribuímos para o aumento da concentração de gases de efeito estufa, o que inevitavelmente intensifica a crise climática.
Constante aquecimento global
Começa a ser regular surgir nas notícias que o mês x ou y foi ainda mais quente do que os seus homólogos. Ainda esta semana o
Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) revelou que a temperatura média do ar, em novembro, foi de 15,14º C. Uma temperatura que supera qualquer outra relativa a este mês nos últimos 93 anos. Mas não é apenas em Portugal que este fenómeno se faz sentir.
Os dados apontam para uma tendência global de aquecimento que se tem agravado nos últimos anos, com impactos cada vez mais evidentes em múltiplos setores, desde a agricultura até aos ecossistemas naturais, passando pela saúde pública.
E este aumento da temperatura, diz Cláudia Pascoal, também aumenta a produção de metano e dióxido de carbono nos cursos ribeirinhos.
Continuamos a olhar para o recurso água, como algo abundante de acesso fácil. Mas, na verdade, se continuarmos a poluir este recurso, a alteração do ecossistema, já em mudança, vai colocar em risco a vida, tal como a conhecemos.
As alterações climáticas cada vez mais acentuadas estão a provocar uma escassez hídrica em alguns países e Portugal está nessa lista.
“Em Portugal, temos um problema de escassez de água, sobretudo no Sul”, refere Cláudia Pascoal. “Apesar de o país ser relativamente pequeno, temos uma grande assimetria entre o Norte e o Sul”.
Além da falta deste recurso existem ainda os problemas da qualidade da água e se formos para Trás-os-Montes começam a surgir também problemas de seca na região do Minho.
“Não é o maior problema, se bem que no verão os caudais são complicados, até porque temos um complexo de barragens muito, muito marcante, que é muito necessário e, portanto, também contribui para regular muitas vezes o regime hidrológico. E nem sempre os caudais são aqueles que seriam desejáveis. Mas no Sul é um problema de facto e à escala mundial, eu diria que a água vai ser já um problema”, conclui Cláudia Pascoal.
Portugal e o caminho para a neutralidade carbónica
Em 2016, Portugal assumiu o compromisso de alcançar a neutralidade carbónica até meados deste século, definindo uma visão clara para a descarbonização profunda da economia nacional.
Para apoiar este objetivo, foi elaborado o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050), uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo com emissões reduzidas de gases com efeito de estufa (GEE). O RNC2050 tem como metas avaliar a viabilidade de trajetórias rumo à neutralidade carbónica, identificar os principais vetores de descarbonização e estimar o potencial de redução de emissões em diversos setores da economia.
Além disso, Portugal aprovou o Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), alinhado com os objetivos do RNC2050. Este plano é o principal instrumento de política energética e climática do país para a próxima década, reforçando o caminho para um futuro neutro em carbono.
O PNEC 2030 define metas ambiciosas, mas alcançáveis, para 2030, incluindo a redução de emissões de GEE, maior utilização de energias renováveis, melhorias na eficiência energética e aumento das interligações. Também estabelece medidas concretas e metas setoriais para implementar as orientações do RNC2050 de forma eficaz.
Para apoiar este objetivo, foi elaborado o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050), uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo com emissões reduzidas de gases com efeito de estufa (GEE). O RNC2050 tem como metas avaliar a viabilidade de trajetórias rumo à neutralidade carbónica, identificar os principais vetores de descarbonização e estimar o potencial de redução de emissões em diversos setores da economia.
Além disso, Portugal aprovou o Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), alinhado com os objetivos do RNC2050. Este plano é o principal instrumento de política energética e climática do país para a próxima década, reforçando o caminho para um futuro neutro em carbono.
O PNEC 2030 define metas ambiciosas, mas alcançáveis, para 2030, incluindo a redução de emissões de GEE, maior utilização de energias renováveis, melhorias na eficiência energética e aumento das interligações. Também estabelece medidas concretas e metas setoriais para implementar as orientações do RNC2050 de forma eficaz.
De acordo com o Portal do Estado do Ambiente, "as emissões de GEE registaram um ligeiro crescimento de 0,3% relativamente a 2021, sendo o total estimado das emissões de 50,5 Mt CO2eq., o que corresponde a menos 23,6% face a 1990 e menos 43,7% face a 2005". Ainda assim um decréscimo de 4,4% e 34,5% face a 1990 e 2005, respetivamente.
Já as emissões por setor apresentaram em 2022 a seguinte distribuição: “Transportes” – 30,3%, “Produção e transformação de energia” – 14,9%, “Combustão na indústria” – 12,1%, “Outros” – 7,7% e “Emissões fugitivas” – 2,2% do total de emissões nacionais.
O compromisso do Estado português para a redução deste tipo de emissões é ambicioso, com o objetivo de chegar a 2030 com uma redução de 55 por cento face a 55% das emissões em relação a 2005, em linha com a ambição prevista na Lei de Bases do Clima.
Portugal assumiu ainda na COP28, em novembro de 2023, o compromisso de antecipar a meta da neutralidade climática de 2050 para 2045, compromisso que terá de ser tido em consideração no exercício de revisão do PNEC 2030 em curso, a par da revisão do RNC 2050.
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